Enquadramento Temático

O Caminho de Santiago de Compostela é uma ancestral rota de peregrinação que se estende por toda a Península Ibérica até à Cidade de Santiago de Compostela. O crescente reconhecimento do Caminho fez com que em 1887 fosse declarado como 1.º Itinerário Cultural Europeu e em 1993 deu-se a classificação do Caminho Francês como Património da Humanidade pela Unesco.

São vários os relatos da peregrinação a Santiago de Compostela, sendo que, uma das primeiras notícias de alguém que viajou até Compostela através de um itinerário português, data do século XII. É da autoria de Edrisi e relata um itinerário que ia de Coimbra a Avô e daí a S. Miguel do Outeiro, localidade próxima a Viseu. Pelo traçado da antiga estrada romana descia-se a Vila Boa de Quires (Marco de Canaveses) e subia-se até Braga e mais a norte até Santiago a partir de Tuy. (Almeida et alii, 2007).

Centro de peregrinação, passagem/paragem de peregrinos em circulação, local de culto ao Apóstolo da Galiza, Guimarães foi afirmando, na continuidade dos séculos, a sua presença nos caminhos de Santiago.

Itinerário Sugerido

Itinerário Sugerido: Da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira à Igreja de Santa Maria Madalena (também conhecida como Igreja da Falperra)

Freguesias Abrangidas: Oliveira do Castelo, S. Paio, Azurém, Fermentões, Ponte, Caldelas, São Martinho de Sande, São Lourenço de Sande, Balazar e Longos.

Cronologia: origem romana

Extensão: Cerca de 15 quilómetros.

De Guimarães a Santiago de Compostela são cerca de 215 quilómetros, o que coloca Guimarães como ponto de partida preferencial para quem pretender que a peregrinação seja reconhecida oficialmente, isto é, seja solicitada a credencial do peregrino que permite depois a entrega da Compostela (documento oficial que certifica a peregrinação ao túmulo do Apóstolo S. Tiago). De facto, os requisitos para a solicitação da credencial passam pela pretensão de realizar os últimos 100Km do percurso a pé ou a cavalo ou os últimos 200Km, no caso do meio de transporte seleccionado ser a bicicleta.

Descrição do Itinerário Sugerido:

O itinerário inicia-se no Largo da Oliveira, próximo da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, continuando pela Praça de S. Tiago onde se encontra no chão uma vieira que representa uma antiga capela aí erigida em honra de S. Tiago. Daí continua em direcção ao Largo Navarro de Andrade, seguindo caminho pela Rua Francisco Agra, um pouco da Avenida Dr. Alfredo Pimenta e saindo de Guimarães pela Rua de Nossa Senhora da Conceição. Continua pela estrada nacional até Fermentões em direcção à Ponte de Caneiros, construída na Baixa Idade Média.

Depois da passagem pela Ponte de Caneiros, atravessa-se a Estrada Nacional para continuar o percurso por uma outra estrada alcatroada à esquerda, em direção ao Museu Agrícola de Fermentões. A sugestão de continuação por esta estrada secundária, sensivelmente paralela á EN101, ao invés de por esta prende-se com o facto de ser um caminho com maior interesse paisagístico e com menor intensidade de tráfego.

O percurso segue então por estradas secundárias, passando pela Rua do Pulo, Travessa da Boucinha, sendo que de seguida o percurso segue por um pequeno atalho, apenas de acesso pedonal, em terra, que volta à estrada junto à Igreja e Junta de Freguesia de Ponte. Segue-se depois em direcção à Escola EB 2,3 Arqueólogo Mário Cardoso e continuando pela Rua do Monte da Ínsua entra-se na estrada nacional, onde depois a cerca de 300 metros se faz um desvio à esquerda para que a passagem do Rio Ave seja feita pela Antiga Ponte.

O Caminho segue depois pela antiga estrada principal que segue por Alvite e, já na freguesia de São Martinho de Sande, por Lamelas, Tarrio, Taburno, Botica, Pontes e Quatro Irmãos, na freguesia de São Lourenço de Sande, onde à face do caminho se encontra um memorial de origem medieval. Segue-se este caminho pelos lugares do Fojo, Lapa, Estrada Velha, Duas Vendas, Oleiros, Carvalheiras, Esmoriz, Outeiro de Oleiros e Entre-as-Águas, onde se inicia a subida para a Serra da Falperra, em direcção ao Santuário de Santa Maria Madalena. A partir daqui o caminho continua em direcção a Braga até Santiago de Compostela.

Estado da Via:

Esta via encontra-se durante a maior parte do seu percurso alcatroada. Em Entre-as-Águas, onde se inicia a subida para a Falperra o itinerário faz-se ora em terra batida, ora em calçada antiga.

Condições da Acessibilidade:

Via acessível a pé e veículos-motor em quase toda a sua extensão.

Justificação histórica

No decorrer deste tópico, procura-se justificar o traçado do Caminho de S. Tiago sugerido, pela existência de importantes vias de circulação nesta região que desde tempos remotos se assumiam como locais de passagem de peregrinos. De facto, são vários os elementos históricos que corroboram a existência de antigas vias romanas nesta zona que foram construídas/adaptadas ao longo da Idade Média e que se assumiam como itinerários de circulação, de bens, mercadorias e pessoas. Em Guimarães, importa ainda ressalvar, a existência, na Idade Média de dois importantes locais de peregrinação, a Senhora da Oliveira e São Torcato. 

Inicialmente o traçado original da via romana estaria incluído em alguns dos caminhos de peregrinação a S. Tiago, sendo que na progressão para Bracara Augusta (Braga) não é crível que a estrada seguisse em direção ao aglomerado urbano de Guimarães, sendo que tal apenas passou a acontecer após a concentração de habitações em redor do Monte Latito, do Cenóbio e do Castelo que aí foram construídos no final do 1.º Milénio da nossa Era. O traçado original seguia então em direção do vale do Rio Selho e das freguesias de Azurém e Fermentões. Foi aliás no decorrer deste traçado que na baixa Idade Média se construiu a Ponte de Caneiros, sobre o Rio Selho que ainda hoje se pode atravessar. (Almeida, 2008, p. 43)

Com o desenvolvimento urbano do burgo vimaranense este tornou-se como local de passagem obrigatória para todos os que calcorreavam a estrada entre Guimarães e Braga, não fazendo sentido continuar a antiga estrada romana que passava ao lado do burgo.

Uma forma relativamente fiável de se conseguir identificar traçados viários em voga desde o século XVI são a presença de cruzeiros/padrões e das alminhas, sendo várias as existentes ao longo do itinerário sugerido, a título de exemplo o Padrão do Salado e as alminhas existentes em Fermentões, Sande S. Lourenço e Santa Cristina de Longos.

Posto isto, o ponto de partida do itinerário sugerido é na Igreja de Nossa Senhora da Oliveira (antiga Igreja de Santa Maria da Oliveira). Esta foi um dos santuários de passagem obrigatória, visitado por peregrinos, que de diversos pontos de Portugal rumavam ou regressavam de S. Tiago de Compostela, conforme comprova o dito popular que encabeça o presente documento: “Quem for a Santiago e não visitar a Senhora da Oliveira, não faz romaria verdadeira”, citado por Manuel Alves Oliveira (Santos, 1993, p. 113) e a análise dos itinerários de viajantes ilustres dos séculos XV e XVI, como o barão Leão de Rosmital, da Boémia (1466), o Rei D. Manuel I (1502), o infante D. Luís, seu filho (1548) e o conde alemão Erich Lassoto de Steblovo (1581) (Santos. 1993, p. 113).

Além, destas figuras ilustres terão sido muitos os caminheiros anónimos, que passaram por Guimarães e aí procuravam pernoitar, facto atestado por um documento, conservado no Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, que menciona que a Câmara concedeu ao Hospital da Misericórdia “uma “pena” de água, a requerimento do provedor, que alegara “que esta vila era de passagem para S. Tiago da Galiza e S. Gonçalo de Amarante” (Braga, p. 431).

Efectivamente Guimarães foi, desde a época medieval, um importante nó viário tendo proliferado alguns centros de acolhimento, como o Hospital da Misericórdia, já mencionado, e a título de exemplo o Albergue do Anjo ou da Confraria dos Sapateiros, instituído em 1315, que alojava enfermos e peregrinos.

A importância do culto de S. Tiago está visível um pouco por todo o concelho, na zona envolvente da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira por exemplo, existe um janelão gótico de fins do século XIV, que possui uma representação do referido santo, facilmente identificável pelas vieiras no chapéu e pela tradicional sacola a pender-lhe do ombro. A imagem de S. Tiago é também visível nas figuras representadas no cruzeiro de pedra mandado erigir por Pero Esteves que se encontra junto ao Museu Alberto Sampaio. Por fim, para além de um conjunto de estátuas espalhadas por todo o concelho pode-se ainda encontrar uma estátua em pedra deste santo, do século XVIII, no Largo República do Brasil.   

Na Praça de S. Tiago, existiu no século XII ao século XIX, uma pequena capela dedicada ao apóstolo, fundada pelos franceses que acompanharam o Conde Henrique de Borgonha, pai de D. Afonso Henriques. Atualmente pode-se observar, no local onde teria existido a referida capela denominada de S. Tiago da Praça, a representação de uma vieira no pavimento.

Nas Memórias Paroquiais de 1758 é feita referência a São Pedro de Azurém como uma paróquia extramuros à então vila de Guimarães que permitia o acesso directo da vila à passagem sobre o rio Selho. Quando houve necessidade de facilitar o trânsito de mercadorias ao coração do burgo, construiu-se, no final do século XVII, a Ponte de Santa Luzia. A ponte de Santa Luzia atualmente não existe, contudo sabe-se que foi mandada construir pelo Senado da Vila de Guimarães, no final da centúria de seiscentos e era por ela que passava o trânsito vindo de outras comunidades regionais. (Almeida, 2008, p. 43)

Tendo em conta a cronologia da Ponte de Caneiros, bem como a informação da existência de uma gafaria próxima da Capela de Santa Luzia crê-se que esta variante de ligação coincide com a Baixa Idade Média.

Nas Inquirições de 1258 é feita referência à existência de outras estradas, tanto na freguesia de São Pedro de Azurém, como na de Santa Eulália de Fermentões que poderão ou não ser a primitiva estrada romana. A título de exemplo em Azurém dizia-se que um dito reguengo estava balizado por uma “ via vetera per valle usque Moutam de Cerzariis” (PMH,I, 723) e que em Fermentões havia uma vinha junto a uma “via cova” (PMH,I, 720-722).

Na sua continuidade para Norte a estrada passava em S. João de Ponte, onde era feita a travessia do Rio Ave, muito provavelmente na antiga Ponte sobre o Rio Ave que ainda hoje persiste, sendo que não se sabe ao certo se os romanos ali levantaram alguma construção que facilitasse a passagem ou se faziam a travessia de barco. De acordo com relatos do Padre Torcato Azevedo, esta segunda opção seria a mais viável, pois no início do século XVIII ia-se da vila de Guimarães para Braga passando no “barco da Taipa no rio Ave” (Azevedo in Almeida, 2008, p. 44) Na freguesia de São João de ponte há a mencionar ainda os topónimos Estrada e Venda e nas Caldas das Taipas a Ara de Trajano.

De facto no plano arqueológico este traçado dos Caminhos de S. Tiago poderá ser justificado, com pelo menos um vestígio atribuído à época romana, sendo ela a inscrição votiva e honorífica (Ara de Trajano) dedicada ao imperador Trajano que se encontra nas Caldas das Taipas (Capella, 1895, 119). Esta inscrição fica ligeiramente distanciada do tramo principal da via, contudo tendo em conta a forte componente termal existente nesta vila, poderia existir uma via de acesso entre o tramo principal e esta.

A estrada que dá seguimento ao percurso, por S. Martinho de Sande está relativamente bem documentada, pensando-se que dada a existência de um marco miliário atribuído ao imperador Trajano (97-117) nesta localidade que este traçado remonte à época dos Flávios. Atualmente, por motivos de conservação do mesmo, este integra o espólio do Museu Martins Sarmento. (Cardozo in Almeida, 2008, p. 37).

Com a abertura da atual estrada nacional, entre Guimarães e Braga, construída entre 1864 e 1867, deu-se uma relativa perda de interesse pelo traçado entre as Caldas das Taipas e a Capela de Santa Maria Madalena, situada no Monte da Falperra. Contudo há testemunhos em como este traçado foi durante séculos a mais importante via de ligação entre Guimarães e Braga, daí os párocos das freguesias situadas ao longo do seu traçado se referissem a esta como a estrada que ““discorre de Guimarães para Braga” (Capela in Almeida, 2008, p. 45). Para além disso, importa mencionar a presença de topónimos, nesta, como Estrada Velha, Duas Vendas e Ponte.    

Um outro elemento arqueológico a mencionar no traçado analisado é o conjunto sepulcral medieval, designado de “Quatro Irmãos”. Este conjunto resulta de antigo memorial, tendo restado algumas cabeceiras e tampas de sepulturas com simbologia medieval gravadas.

A aproximação à cidade de Braga fazia-se pela encosta meridional da Serra da Falperra, passando junto ao local onde foi construída a Capela de Santa Maria Madalena.

Todos estes factos históricos comprovam que Guimarães, desde cedo, representou um importante ponto de passagem na região norte, integrando um dos itinerários estruturantes de ligação a Braga. Foi através destes itinerários que o trânsito fluía no sentido sul-norte, o que equivale a dizer que, salvas raras excepções, foi por ela que passou uma grande parte do tráfego de peregrinos com destino a locais de peregrinação, como é o caso de Santiago de Compostela.

Um outro argumento de justificação desta via é a inserção topográfica, pois este traçado procurou adaptar-se à evolução natural do terreno, limitando-se às curvas de nível, o que justifica a sua opção por parte dos peregrinos. De facto este traçado é na sua generalidade um percurso plano, com exceção da subida para a Serra da Falperra, com um declive acentuado.

Bibliografia

ALMEIDA, Carlos A. Brochado de; LIMA, João Gomes de Abreu; SILVA, Lourenço António Gorjão de Almeida – A Grande Obra dos Caminhos de Santiago, Iter Stellarum, Hércules Editores, Coruña, 2007;

Almeida, Carlos Alberto Brochado de; Almeida, Pedro Brochado de; Gonçalves, Mário Carlos Sousa – Caminhos Antigos de Peregrinação, Caminhos Portugueses para Santiago de Compostela e os principais centros de Peregrinação, 2008;

Azevedo, António de – Santa Maria de Guimarães: Um Problema de Toponímia e Arqueologia Artística, Guimarães, 1956;

Braga, Alberto Vieira – Curiosidades de Guimarães, XVI – O culto poético popular e romeirinho a Nossa Senhora – Guimarães, 1954;

Braga, A.V. - Influência de S. Tiago de Galiza em Portugal, p. 431;

Caldas, António Ferreira - Guimarães – Apontamentos para a sua História – Guimarães, 1881, vol. II, p. 226;

CAPELA, Martins, Milliarios do conventus bracarangustanus em Portugal, Porto, 1895, p. 89 a p. 120;

Carvalho, A.L. – Guimarães de Tempos Idos, Guimarães, 1947, p. 41 a 44 e 187 a 190;

Falcão, Conceição - Uma Rua de Elite na Guimarães Medieval (1376/1520), Guimarães, 1989, p. 27 e 28;

Marques, José - O Culto de S. Tiago no Norte de Portugal in: Encuentro sobre los Caminos Portugueses a Santiago II – Actas: Conferencias y Comunicaciones, Associación Amigos de los Pazos, 1994, p. 59 a 78;

Martins, Mário - O Livro dos Milagres de Nossa Senhora da Oliveira de Afonso Peres, in “Revista de Guimarães”, Guimarães, 1953, vol. 63, n.ºs. 1-2;

Moraes, Maria Adelaide - Capelas Vinculadas da Colegiada, in “Actas do Congresso Histórico de Guimarães e da sua Colegiada”, vol. II, p. 471;

Oliveira, Manuel Alves de – A Insígne e Real Colegiada, in “Actas do Congresso Histórico de Guimarães e da sua Colegiada”, vol. II. Guimarães, 1981, p. 423 – 435;

Pires, António; Franco, Amaro - Princípios Básicos a adoptar na abertura e sinalização de itinerários de peregrinação – Sinalização do Caminho de Santiago & Caminho de Fátima em Portugal, Associação Espaços Jacobeus, Mosteiro de Grijó, 2009;

PMH, I - Portugália Monumenta Histórica, Inquisitiones;

Santos, Manuela Alcântara – Guimarães nos Caminhos de Santiago, in Actas del II Encuentro sobre los Caminos portugueses a Santiago: conferencias y comunicaciones. Vigo: Associación Amigos de los Pazos, 1993, p. 111-118.